Negócios!
Bom dia, boa tarde ou boa noite
Depende da hora que encontrarem está carta que vou
E se encontraram a carta é porque cá já não estou
E assinei este testemunho a contar o que é que se passou
Deixei o abandono a minha esposa e três filhos
Que a vida não lhes seja uma rosa cheia de espinhos
Que consigam sobreviver sem um chefe de família
E que não lhes seja retirada a casa, o terreno e a mobília
Minha história como polícia tem mais de 20 anos
Exerci com dedicação e zelo do meu trabalho
Ser polícia sempre foi o meu sonho de criança
Brinquei de polícia e ladrão toda a minha infância
Fiz um curso de formação e vivi momentos de alegria
Mas também de grande tensão e de muita nostalgia
E depois da formação, o momento de glória
Vestir aquela farda não me saía da memória
A emoção que eu senti logo no meu primeiro dia
E o olhar de orgulho de toda a minha família
Olhar de admiração dos meus amigos e vizinhos
Aquela sensação me acompanhou pelo caminho
E com a farda vem junto a pressão do dia a dia
Na vida real senti o drama de ser polícia
Ainda de madrugada já posicionado na rua
Queimando com muito sol ou molhando com a chuva
Passei mais de dez horas caminhando no asfalto
Senti o alcatrão ferver debaixo dos meus sapatos
Vocês não têm noção do que é trabalhar nas ruas
Chegar a casa com os pés carregados de bolhas
Meu percurso só Deus é que sabe
Por isso não adianta me julgar ou condenar
A minha caminhada é longa
Mas pra ti que me olhas com desrespeito
Por isso carrego essa cruz
E neste drama, pior é a vossa ingratidão
De pensarem que eu só vos queria passar a mão
Que queria vosso dinheiro, que não tinha coração
E ainda gritavam na rua "aquele polícia é ladrão"
Ladrão? Eu, que trabalhei com zelo
Apanhei marginais, prendi bandidos em duelos
Tenho na folha de serviços crimes resolvidos
Medalhas de honra, recomendações e elogios
Respeito e consideração, isso eu nunca senti
Nunca um parabéns pelo bom trabalho exercido
Nunca um obrigado por vos garantir a paz
Nunca um "valeu, senhor polícia", tem mais
Nunca ninguém parou para comigo conversar
E cruzamos várias vezes ali no mesmo lugar
Nunca perguntaram se eu tinha o meu filho doente
Se tinha dinheiro pro hospital ou porque que eu tava ausente
Vocês nunca imaginaram que eu, ao tirar a farda
Não era diferente do outro homem que trabalha
Que sobrevivia com pouco para ajudar a sua família
Que sofria para apanhar transporte e fazia bicha
Também fiquei apertado em capas e my loves
Esperei o machimbombo que fazia a última volta
Muitas vezes apertado e me pisavam o pé
Cheguei a acreditar que Deus testava a minha fé
E já cheguei a casa e não apanhar o jantar à mesa
Sem vitaminas, o que me deixava em pé eram as rezas
Colocava os joelhos no chão a cada refeição
Agradecia pelo prato de arroz e de feijão
Meu percurso só Deus é que sabe
Por isso não adianta me julgar ou condenar
A minha caminhada é longa
Mas pra ti que me olhas com desrespeito
Por isso carrego essa cruz
Também já me faltou dinheiro para fazer a matrícula
O dinheiro do caril, do chapa pra escola dos miúdos
Já fiquei sem energia, tinha que arranjar carvão
Já fiquei sem um tostão sequer para comprar o pão
Nesta profissão vivemos entre a vida e a morte
Um distintivo, uma arma faz parte do lote
E tive noites de pesadelo que a Deus eu pedi
Nunca apertar o gatilho a um ser igual a mim
Mas contra todos os meus desejos esse dia chegou
Escala pra fazer patrulha noturna me calhou
Segui o mesmo trajeto, mas desta vez foi diferente
Parece que imaginava o que que me vinha pela frente
Dois meliantes cruzaram o meu caminho e eu senti
O cheiro de criminalidade ao passarem por mim
Usei do meu poder e dei ordem de parada
O silêncio mais silencioso preencheu a estrada
E na escuridão da noite o trajeto duma faca
Um animal em perigo que pra se defender ataca
Tentei me desviar, mas a manobra foi fraca
Depois disso, eu não senti mais nada