Ai tristeza, eu jurei
nunca mais cantar o fado.
Foi por amor que o calei,
por amor ao meu namorado.
Que o fado é mau,
corrompe a alma com demónios,
manjericos, Santo Antónios,
amores vagos e episódios
de faca e alguidar.
Ainda para mais é um negócio
de direita,
que esta malta aproveita
para se vangloriar.
-"Fica aí no teu cantinho!"
- diz-me assim, com carinho,
meu amor, para não cantar.
-"Meu amor, mas o destino
não se roga." E fez ouvidos
moucos ao que eu fiz jurar.
-"Aqui me tens a confessar:
-foi apenas o destino
que é cruel e pequenino
e nos quis vir separar..."
Ai tristeza, podem ir ver
quebrada aqui já a promessa.
E esta voz canta a doer
sem fado nem amor, que resta?
O fado não é mau,
não é um crime ou um defeito.
É um emaranhado de cordões
que nos entrelaça o peito,
e precisa de ser solto.
Corre o risco de sufoco
quem prende o fado na voz
e anda ali com aqueles nós
a apertarem na garganta.
É mais rico quem o canta,
pobre, quem lhe dá prisões.
Tu e eu não somos dois...
Meu amor, tens de pensar
que isto é pegar ou largar.
São estas as condições:
tu e eu e as canções.
Um peito que canta o fado
tem sempre dois corações!