Ai, meu gaiteirinho!
Ainda me lembro
Quando corrias polo monte embaixo
E vinhas-me tu dizendo:
"Deita carne no pote, Marianinha,
Deita carne no pote, Marianá...
Um molete inteiro, enservelhetado
E umha bota de vinho, chupâ-ei-ná!"
Mulher, fartura de loita...
O que te hei dizere eu, mulhere?
Se tu és coma a terra nossa
E a terra, é com-a tu és?
E a terra é com-a tu és...
Ai la le lo, ai la la ah...
Deixei-vos entrambas soias
Ainda convosco eu fiquei.
Valeira está a terra, e morna...
Tu sementada, abofé...
Valeira está a terra, e morna...
Tu sementada, abofé...
E o vento dizia:
"presto há-de voltar
ora tirare a fome,
pra ter que papar..."
Oh mulher! Cantas noitinhas
Te deitaste coa tristura?
E o vento frio trazia
As novas dos que marmulam.
As novas dos que marmulam...
Ai la le lo, ai la la ah...
E o vento dizia:
"presto há-de voltar
ora tirare a fome,
pra ter que papar..."
Tu és o miragre da terra
E a terra é um miragre teu,
Mistura de mele e cerna,
De fera e de anjo do céu.
Pariste de pé o filho,
Coma fão no monte as bestas
E, hoje que volto vencido,
Pra que eu vença, tu te deitas.
E ao voltar, o que te hei dizer?
Maldito o dia e a hora
Em que vos deixei aqui
Para procurar vida fóra!
O Inverno da Emigraçom
Roubou-nos a Primavera:
O quem eu era, já nom sou
E tu já nom és a que eras.
Já podem os leiros dar
Colheitas bem abondosas;
Podem em Madrid falar
Com palavras bem formosas
Que nunca, nunca nos hão pagar
A nossa fome de outrora!
E o vento dizia:
"presto há-de voltar
ora tirare a fome,
pra ter que papar..."