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Morte e Vida Severina - Canto 8
Morte e Vida Severina - Canto 8
turnover time:2024-11-13 23:12:44
Morte e Vida Severina - Canto 8

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO

— Essa cova em que estás,

com palmos medida,

é a cota menor

que tiraste em vida.

— É de bom tamanho,

nem largo nem fundo,

é a parte que te cabe

neste latifúndio.

— Não é cova grande.

é cova medida,

é a terra que querias

ver dividida.

— É uma cova grande

para teu pouco defunto,

mas estarás mais ancho

que estavas no mundo.

— É uma cova grande

para teu defunto parco,

porém mais que no mundo

te sentirás largo.

— É uma cova grande

para tua carne pouca,

mas a terra dada

não se abre a boca.

— Viverás, e para sempre

na terra que aqui aforas:

e terás enfim tua roça.

— Aí ficarás para sempre,

livre do sol e da chuva,

criando tuas saúvas.

— Agora trabalharás

só para ti, não a meias,

como antes em terra alheia.

— Trabalharás uma terra

da qual, além de senhor,

serás homem de eito e trator.

— Trabalhando nessa terra,

tu sozinho tudo empreitas:

serás semente, adubo, colheita.

— Trabalharás numa terra

que também te abriga e te veste:

embora com o brim do Nordeste.

— Será de terra

tua derradeira camisa:

te veste, como nunca em vida.

— Será de terra

a tua melhor camisa:

te veste e ninguém cobiça.

— Terás de terra

completo agora o teu fato:

e pela primeira vez, sapato.

— Como és homem,

a terra te dará chapéu:

fosses mulher, xale ou véu.

— Tua roupa melhor

será de terra e não de fazenda:

não se rasga nem se remenda.

— Tua roupa melhor

e te ficará bem cingida:

como roupa feita à medida.

— Esse chão te é bem conhecido

(bebeu teu suor vendido).

— Esse chão te é bem conhecido

(bebeu o moço antigo)

— Esse chão te é bem conhecido

(bebeu tua força de marido).

— Desse chão és bem conhecido

(através de parentes e amigos).

— Desse chão és bem conhecido

(vive com tua mulher, teus filhos)

— Desse chão és bem conhecido

(te espera de recém-nascido).

— Não tens mais força contigo:

deixa-te semear ao comprido.

— Já não levas semente viva:

teu corpo é a própria maniva.

— Não levas rebolo de cana:

és o rebolo, e não de caiana.

— Não levas semente na mão:

és agora o próprio grão.

— Já não tens força na perna:

deixa-te semear na corveta.

— Já não tens força na mão:

deixa-te semear no leirão.

— Dentro da rede não vinha nada,

só tua espiga debulhada.

— Dentro da rede vinha tudo,

só tua espiga no sabugo.

— Dentro da rede coisa vasqueira,

só a maçaroca banguela.

— Dentro da rede coisa pouca,

tua vida que deu sem soca.

— Na mão direita um rosário,

milho negro e ressecado.

— Na mão direita somente

o rosário, seca semente.

— Na mão direita, de cinza,

o rosário, semente maninha,

— Na mão direita o rosário,

semente inerte e sem salto.

— Despido vieste no caixão,

despido também se enterra o grão.

— De tanto te despiu a privação

que escapou de teu peito à viração.

— Tanta coisa despiste em vida

que fugiu de teu peito a brisa.

— E agora, se abre o chão e te abriga,

lençol que não tiveste em vida.

— Se abre o chão e te fecha,

dando-te agora cama e coberta.

— Se abre o chão e te envolve,

como mulher com que se dorme.

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