Carta à República
A todos esses racistas, à tolerância hipócrita
Que construíram sua nação em cima do sangue
Agora se erigem como moralistas
Saqueadores de riqueza, assassinos de africanos
Colonizadores, torturadores de argelinos
Este passado colonial, é o seu
A senhora que escolheu ligar sua história à nossa
E agora a senhora assume
O cheiro de sangue te persegue, mesmo que se perfume
Nós, árabes e negros,
a gente não está lá por acaso
Toda chegada tem seu ponto de partida!
A senhora desejou a imigração
Graças a ela, a senhora se empanturrou até a indigestão
Acredito que a França nunca fez caridade
Os imigrantes são apenas a mão de obra barata
Guarde para a senhora sua ilusão Republicana
Da doce França profanada pela imigração Africana
Pergunte aos atiradores senegaleses e aos harkis
Quem se aproveitou de quem?
A República só é inocente nos seus sonhos
E a senhora só tem as mãos brancas nas suas mentiras
Nós, árabes e negros,
a gente não nasce lá por acaso
Toda chegada tem seu ponto de partida!
Mas a senhora pensava que com o tempo
Os negros mudariam e se tornariam brancos?
Mas a natureza humana destruiu seus projetos
A gente não se assimila na rejeição
A gente não se assimila no gueto francês
Empilhados entre imigrantes, é preciso sensatez
Como acusar o isolamento comunitário
Que a senhora iniciou com as favelas de Nanterre?
Piromaníacos e bombeiros, sua memória é seletiva
A senhora não veio em paz, sua história é agressiva
Aqui a gente está melhor que lá longe, a gente sabe
Porque, para a senhora, descolonizar é desestabilizar
Menos devedor me sinto quando observo a história
Eu sei o que é ser negro desde a época da escola
Embora eu não seja ingrato, não tenho vontade de te dizer obrigado
Porque na realidade, tudo o que tenho, aqui, eu conquistei
Cresci em Orly, nas favelas da França
Floresci nos maquis, estou em guerra desde minha infância
Narcotráfico, roubo, violência... Crime!
Que fazem meus irmãos se isso é mixaria como no Clearstream
Quem pode lhes repreender? A senhora?
Traficantes de influência, desviadores de verba
Os verdadeiros canalhas de terno, bando de hipócritas
Os franceses têm os dirigentes que merecem?
No coração dos debates, dos debates sem coração
Sempre os mesmos que se acusam na sua França de rancores
No meio da crise econômica, é preciso um culpado
E é na direção dos muçulmanos que todo tiro seu é disparado
Não tenho medo de escrever, a França é islamofóbica
Aliás, mais ninguém se esconde nessa França xenofóbica
A senhora nos trata como menos que nada na sua mídia pública
E a senhora espera de nós, que a gente grite: "Viva a República!"
Meu respeito é violado no país dos Direitos do Homem
Difícil se sentir francês sem a Síndrome de Estocolmo
Porque eu sou negro, muçulmano, periférico e orgulhoso de sê-lo
Quando você me vê, você faz uma cara que a França diferente detesta
Estes são os mesmos hipócritas que nos falam de diversidade
Que revelam seu racismo com o disfarce da laicidade
Sonham com um francês único, com uma única identidade
Teimam em discriminar as mesmas minorias
Diante dos mesmos eleitores, os mesmos medos são incitados
Se opõem as comunidades para esconder a precariedade
Que ninguém se espante se amanhã isso acabar explodindo
Como amar um país que recusa nos respeitar?
Distante dos artistas transparentes escrevo este texto tal como um espelho
Que a França se veja nele se ela quiser se ver
Ela verá desaparecer a ilusão que ela tem de si mesma
Não estou carente de afeto,
entenda que só espero que ela me ame.