Perdoe-me, Excelência,
o meu atrevimento:
mas peço-lhe um momento,
se tiver paciência.
Acabo de saber
que fui mobilizado
p’ra ir como soldado
a pátria defender.
Não, senhor Presidente,
eu não quero ir p’rà guerra,
não se defende a terra
matando a pobre gente.
Fartei-me de pensar
qual a melhor acção,
e a minha decisão
é que vou desertar.
Só vi desde que vivo
filhos perder os pais,
de irmãos lutas mortais
sem razão nem motivo.
A minha pobre mãe
sofreu tanto e penou:
da morte precisou
p’ra enfim se sentir bem.
Ao ser encarcerado,
minha mulher, perdi-a;
e esqueci o que havia
de bom no meu passado.
Logo de madrugada
fecho a porta e assim corto
com um tempo já morto
p’ra me fazer à estrada.
Irei ter com o povo
p’los campos e cidades,
explicar as verdades
deste discurso novo:
«No mundo os explorados
são uma só nação,
mas sem haver união
são sempre derrotados.
Negai-vos a ob’decer,
se vos mandam para a guerra,
que impor fome e miséria,
não é o vosso dever.»
Se há-de o sangue correr,
o nosso deixe em paz:
não se arme em frei Tomás,
tem o seu p’ra of’recer.
Se achar que ponho em perigo
a ordem e o seu bem-estar,
declare-me inimigo
que é preciso anular.
Sou um simples desertor:
comunique aos seus guardas
que ando sempre sem armas,
que atirem sem temor.