Cem anos que eu viva,
Não posso esquecer-me
Daquele navio que eu vi naufragar
Na boca da Barra, tentando perder-me
E aquela janela virada pró mar!
Sei lá quantas vezes desci esse Tejo,
E fui pelo mar fóra com a alma a sangrar
Levando, na ideia, os lábios que invejo
E aquela janela virada pró mar...
Marinheiro do mar alto,
Quando as vagas, uma a uma,
Prepararem-te um assalto
Pra fazer teu barco em escuma,
Repara na quilha, bailando na crista
Das vagas gigantes que o querem tragar...
Se não tens cautela, não pões mais a vista
Naquela janela virada pró mar!
Se mais ainda houvesse,
Mais fortes correra
Lembrando-me em noites de meio do luar,
Dos olhos gaiatos que estavam à espera
Naquela janela virada pró mar!
Mas quis o destino que o meu mastodonte,
Já velho e cansado, viesse a encalhar
Na boca da Barra e, mesmo, defronte
Daquela janela virada pró mar!
Marinheiro do mar alto,
Olha as vagas uma a uma,
Preparando-te um assalto
Entre montes da alva escuma!
Por mais que elas bailem numa louca orgia,
Não trazem desejos de me torturar,
Como aquela doida que eu deixei um dia
Naquela janela virada pró mar...
[Instrumental]
Marinheiro do mar alto,
Olha as vagas uma a uma,
Preparando-te um assalto
Entre montes da alva escuma!
Por mais que elas bailem numa louca orgia,
Não trazem desejos de me torturar,
Como aquela doida que eu deixei um dia
Naquela janela virada pró mar...