Ela queria usar sapatos, dançar de salto alto
Beijar a boca de um homem, embrenhar-se no mato
Queria perder as escamas e rasgar as barbatanas
Até que pernas humanas lhe saíssem da carne.
Poder conhecer o doce, o amargo e o ácido
Ali tudo era salgado, azulado e aquático!
Partir o aquário, deixar de vez o Atlântico,
E rogava por ajuda aos marinheiros com seu cântico!
Mas seu canto era grito, que não suportavam
E só Ulisses vivera depois de ter a escutado
O seu canto era um feitiço carpido como o fado
Que levava navios perdidos pró outro lado!
Tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido...
Sua voz era livre, como ela não era,
como sempre quisera que o seu corpo fosse
e por cantar o sonho e a sua quimera
Era para as almas como um cúmplice!
Forte como um coice, como uma foice,
trespassava gelada o silêncio fundo da noite
Enquanto a sua melodia como a maresia
envolvia em maravilha a lonjura da sua corte,
chega a maré vazia pra lavar em água fria
a sua melancolia e o seu medo da morte!
"Não é que a lágrima é da mesma água salgada?"
Gritava entre o mar e a estrela da madrugada...
Tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza...
Serei a louca que vai tentar deixar o mar,
Com a coragem de quem sai do seu habitat
Serei a louca que vai gritar, chorar, bramir
esbracejar, tentar até conseguir!
Serei a louca que vai sentir a falta do mar,
sentir a falta de ar que há neste lugar
sempre que digam que a louca é melhor muda que rouca,
eu fico nua que a roupa aperta o respirar
e grito ainda mais alto, neste palco suspenso
que pior do que o meu canto há de ser o meu silêncio!
"Não é que a lágrima é da mesma água salgada?"
Gritava entre o mar e a estrela da madrugada!
e eu grito ainda mais alto, neste palco suspenso...
que pior do que o meu canto há de ser o meu silêncio!